Bancos são contra criptomoedas porque querem ficar com altos juros e lucros
João Antônio Motta
11/06/2018 00h00
O professor Warren Weber, a pedido do Banco do Canadá, em março de 2016 traçou um paralelo entre o padrão-ouro e o bitcoin, concluindo que o "padrão- bitcoin" poderia trazer vantagens, mas os governos e os Bancos Centrais haveriam de criar dificuldades para evitar que isso acontecesse, na medida em que perderiam a possibilidade de adotar políticas no interesse da economia doméstica e administrar a emissão de dinheiro e dívida pública.
Como se vê, não é interesse dos governos, dos Bancos Centrais e, principalmente, dos bancos a existência das criptomoedas e, muito menos, que alguma delas venha a se estabilizar como padrão, pois perderiam a administração da economia e, principalmente, da dívida pública, que deveria observar rigorosamente a arrecadação realizada.
Já em novembro passado o Banco Central, em plena euforia do enorme crescimento da taxa de câmbio do bitcoin, assinou o Termo de Adesão ao Código Global de Câmbio (FX Global Code). E, através de nota à imprensa, afirmou que reconhece o código como um conjunto de princípios de boas práticas para o mercado de câmbio, se comprometendo a adotar tais princípios nos procedimentos e rotinas internos da instituição relacionados a este mercado.
Com a adoção desta norma quanto às boas práticas e transparência da compra e venda e arbitragem de moedas, muito focada em controles de fraudes, o Banco Central sinalizou que estava dando um passo em direção à regulação e controle das criptomoedas, pois naquele momento onde o volume de troca e o valor do bitcoin parecia não ter limites, a sensação é de que o Bacen não iria deixar este mercado sem regulação, à margem de qualquer controle.
Pois bem, o Banco Central nada fez neste sentido, a venda e compra de bitcoin esfriou, mas os bancos em geral estão trabalhando forte desde 2016 encerrando contas das corretoras que trabalham no mercado de criptomoedas, alegando basicamente que os sistemas de prevenção à lavagem de dinheiro e as pesadas multas impostas os impedem de trabalharem com as corretoras.
Quem vem acompanhando este blog deve ter lido sobre a concentração do mercado bancário, a razão dos juros altos e, recentemente, a absurda margem de lucro no setor. Ora, seria muita ingenuidade imaginar que os bancos dividiriam a arbitragem financeira com um novo setor sem uma briga sangrenta.
Os mesmos 5 jogadores que dominam o mercado financeiro, Banco do Brasil (1º – 4.956 agências), Bradesco (2º – 4.927 agências ), Caixa Econômica Federal (3º – 3.497 agências), Itaú (4º – 3.405 agências – ) e Santander (5º – 2.673 agências), encerram as contas das corretoras de criptomoedas e tentam asfixiar seu negócio, basicamente reeditando o argumento que o mercado pode se prestar à lavagem de dinheiro, a atividade ilícita.
Esquecem os bancos, oportunamente, que a presunção é da boa-fé e a existência da má-fé, do ilícito, deve ser provada. Esquecem os bancos também, que para o encerramento da conta-corrente devem, necessariamente, informar a "… situação motivadora da rescisão, bem como estipular prazo para eventual regularização da pendência, o qual não poderá ser superior a noventa dias" (Circular Bacen n.º 3.788/2016).
Portanto, se é certo que em uma economia de mercado ninguém é obrigado a contratar e permanecer vinculado com que não deseja, não menos certo que a presunção é da boa-fé, devendo para o encerramento da conta-corrente ser comunicado ao correntista a fim de que corrija a irregularidade, bem como, e principalmente, que a livre concorrência não permite práticas predatórias e abusivas, como claramente delineado na Lei n.º 12.529/11 quando diz:
Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III – aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV – exercer de forma abusiva posição dominante.
…
§ 2o Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.
§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:
…
III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
IV – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou financiador de bens ou serviços;
Claramente os bancos sob bem intencionado argumento da prevenção à lavagem de dinheiro, estão impedindo o acesso de novas empresas ao mercado, criando dificuldades ao funcionamento das mesmas, de forma que, prejudicando a livre concorrência e iniciativa, permaneçam dominando o mercado financeiro, com aumento arbitrário dos lucros e exercendo de forma abusiva posição dominante, ao evitar a queda dos preços e respectivas margens de lucro.
As fintechs que se cuidem …
Sobre o Autor
João Antônio Motta é advogado (PUC/RS – OAB em 1982) especialista em obrigações e contratos, com ênfase em direito bancário, econômico e do consumidor. É autor do livro “Os Bancos no Banco dos Réus“ - Ed. América Jurídica, (Rio de Janeiro, 2001).
E-mail de contato: contato@jacmlaw.com
Sobre o Blog
Este blog traz informações independentes sobre bancos, segurança, cobrança, investimento e outros temas que ajudam no seu dia a dia com as instituições financeiras.