Quem tem dívidas pode sofrer bloqueio de passaporte para não viajar?
João Antônio Motta
28/01/2019 04h55
Você tinha um colaborador, não conseguiu honrar com o seu salário, precisou mandar ele embora e hoje esse mesmo cidadão não tem condições financeiras para comprar o alimento de sua família. Mas você não deixa de viajar, curtir as férias com a esposa e filhos, muito menos de esbanjar nas redes sociais todo seu status de dono de empresa, não é mesmo?
Para resolver situações como esta, onde o devedor age de má fé, a ministra Nancy Andrighi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, diz ser válido o bloqueio de passaporte como meio coercitivo para pagamento de dívida.
"Os princípios da atipicidade dos meios executivos e da prevalência do cumprimento voluntário, ainda que não espontâneo, permitem ao juiz adotar meios coercitivos indiretos – a exemplo da restrição de saída do país – sobre o executado para que ele, voluntariamente, satisfaça a obrigação de pagar a quantia devida", julgou a ministra.
Ao meu ver, cada caso é um caso e sempre deve ser analisado separadamente. Vejam só: se alguém não quitou sua dívida com outro, mas vive viajando a trabalho para cima e para baixo, inclusive viagens internacionais não é justo ter seu passaporte bloqueado. Aliás, se não viajar a trabalho como poderá pagar sua dívida? Como alguém pode pagar suas dívidas se tiver seu "direito de ir e vir" em trabalho comprometido?
Como o próprio UOL já noticiou, é o que pensa a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que defendeu em seu parecer enviado ao STF, que "tais medidas são inconstitucionais por atingir as liberdades fundamentais dos indivíduos, em especial a de ir e vir, o que não estaria ao alcance do juiz numa ação patrimonial".
Cada caso é um caso e quem deve não pode se esbaldar nas compras em Miami e, muito menos, apresentar isso nas redes sociais. É exatamente por isso que nem se pode pensar em bloquear passaportes indiscriminadamente, nem, noutro canto, entender que eles não podem ser bloqueados.
Pensando em tudo isso, me veio a lembrança de quando eu era garoto. Nos anos 60, em Porto Alegre, onde nasci e morei por um bom tempo de minha vida, existiam os Homens de Vermelho. Eles se vestiam por inteiro de vermelho (calça, blusa, botas e chapéu), saiam às ruas com um sino e gritando para quem quisesse ouvir que tal vizinho era caloteiro e devia tanto para alguém.
E isso não é lenda não! Eram pessoas contratadas por credores para cobrar e tornar público o débito com intuito de fazer o devedor correr para pagar a dívida e não passar mais vexame na vizinhança, já que eles não iam uma vez só. Na China, não tem os Homens de Vermelho, mas eles criaram um APP que mostra em um mapa onde estão as pessoas que possuem algum tipo de dívida não paga.
Todas estas situações humilhantes e vexatórias são proibidas no Brasil por força do Código de Defesa do Consumidor, que nega a possibilidade destes tipos de cobrança.
Contudo, se o devedor age de má fé, realmente devem ser usados todos os meios legais para que ele quite sua dívida, inclusive reter o passaporte e até CNH, se ela é utilizada para dirigir um carro de luxo, o qual certamente não está em nome do devedor.
Sobre o Autor
João Antônio Motta é advogado (PUC/RS – OAB em 1982) especialista em obrigações e contratos, com ênfase em direito bancário, econômico e do consumidor. É autor do livro “Os Bancos no Banco dos Réus“ - Ed. América Jurídica, (Rio de Janeiro, 2001).
E-mail de contato: contato@jacmlaw.com
Sobre o Blog
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