Corrupção revelada pela Lava Jato deixa locadora endividada com bancos
João Antônio Motta
26/03/2018 00h00
Imagine que você é um empresário na área de locação de automóveis, sua empresa está atuante e em franca expansão. Você fecha um contrato atrás do outro e tem um nicho muito específico de mercado: você fornece veículos para canteiro de obras de empresas de infraestrutura. Isso pelo Brasil todo.
Você é íntegro, paga seus impostos e com alegria vê sua empresa crescer, gerar empregos e tudo vai muito bem.
Lá pelas tantas, aparece uma operação policial com enorme repercussão. As empresas de infraestrutura, todas elas, estão envolvidas com partidos políticos em negociatas e propinas, os contratos firmados com o governo, um a um, caem ou são suspensos, as empresas, suas clientes, sem alternativas, devolvem os veículos e ainda pior, outras tantas pedem recuperação judicial e uma ou outra vai à falência.
Está montado um cenário de horror.
Isso aconteceu com locadora de veículos em São Paulo, cujas clientes eram todas as grandes empreiteiras do país, como Engevix, Mendes Júnior Trading Engenharia, Grupo OAS, Camargo Correa, Galvão Engenharia, UTC Engenharia, IESA Engenharia, Construtora Queiroz Galvão e Odebrecht Plantas Industriais e Participações, as quais, como fato público e notório, se viram envolvidas com o escândalo de corrupção denominado "Lava a Jato" e, por conseguinte, tiveram contratos de infraestrutura cancelados ou suspensos, o que levou mesmo algumas delas à recuperação judicial e falência.
A locadora ficou com centenas de veículos em pátios locados, já que não tinha onde os colocar, sendo que a única possibilidade que restava era a venda dos mesmos. Acontece que os bancos financiaram 100% do preço de aquisição e, carros de locadoras, quando muito, retornam 70% do seu valor médio de mercado, o que se chama Tabela FIPE. No caso em questão, como são veículos utilizados em canteiros de obra, a depreciação é mais acelerada ainda, retornando quando muito 50% da FIPE.
Sem alternativas a locadora foi aos bancos e informou que iria vender os veículos para realizar os pagamentos devidos, já que não havia mais receita alguma das locações, que foram encerradas. A venda dos veículos e a entrega do preço aos bancos era a única possibilidade, mesmo sabendo que a conta jamais viria a fechar, já que os bancos financiavam 100% do preço de aquisição dos veículos novos e, após, não se conseguia vender os mesmos sequer por 70% de seu preço FIPE, já depreciado.
Desta forma, sabiam locadora, os bancos e até as pedras da Rua Líbero Badaró que a conta não iria fechar, não havia mais receitas e o produto da venda dos veículos não iria dar integral cobertura aos financiamentos. A locadora começou a se desfazer de seu patrimônio e mesmo de seu sócio, sendo que os bancos, estranhamente e dia a dia, se recusavam a liberar os veículos que ela vendia e utilizava o dinheiro para pagá-los.
Os bancos em seguida ajuizaram ações de busca e apreensão dos veículos e, não os encontrando e ainda informando que a locadora os tinha vendido, convertem aquelas ações em execuções. Não contentes, afirmavam que a empresa e seu sócio eram fraudadores, que venderam às escondidas os veículos em garantia enriquecendo ao ocultar patrimônio.
Como se vê, a locadora e seu sócio foram acusados de escroques, de fraudadores e nem interessou que, por exemplo, de um contrato de R$ 18 milhões a Locadora tenha conseguido pagar R$ 16 milhões com os veículos e ainda parte de seus bens. Nada disso interessou e mesmo você explicando a matemática, a certeza é que os bancos se fizeram de "desentendidos", insistindo com o argumento de fraude.
Mas há saída e ela passa necessariamente pelo Poder Judiciário e um argumento que remonta ao ano de 1.327 com a coroação do Rei Eduardo III na Inglaterra. É que o adiamento do evento levou à frustração de inúmeros negócios. Várias pessoas haviam alugado cadeiras, janelas e embarcações para verem o cortejo, como tal foi adiado, os tribunais tiveram que liberar estas pessoas das obrigações firmadas, pois teria havido uma frustração na causa do negócio, ou melhor, a base da negociação havia sido quebrada pois não existiria mais o evento que motivou às contratações.
Este é exatamente o cenário da locadora e centenas, talvez milhares de pessoas pelo país afora, as quais se veem atualmente com o triste fim de empresas que, envoltas em um mar de lama, miseravelmente levam junto aqueles que acreditaram em um trabalho sério, em empreender.
Sobre o Autor
João Antônio Motta é advogado (PUC/RS – OAB em 1982) especialista em obrigações e contratos, com ênfase em direito bancário, econômico e do consumidor. É autor do livro “Os Bancos no Banco dos Réus“ - Ed. América Jurídica, (Rio de Janeiro, 2001).
E-mail de contato: contato@jacmlaw.com
Sobre o Blog
Este blog traz informações independentes sobre bancos, segurança, cobrança, investimento e outros temas que ajudam no seu dia a dia com as instituições financeiras.