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Blog do João Antônio Motta

O banco pode sacar da sua conta e ainda cobrar juros? Não, mas já aconteceu

João Antônio Motta

31/12/2018 05h09

Entre os anos de 1994 e 1996 o finado Banco Bandeirantes se apropriou de valores nas contas dos seus clientes, conforme apurado em fiscalização do Banco Central. O órgão de fiscalização disse à época que as denúncias ou reclamações (na maioria) são válidas e que os tais débitos foram autorizados pelos Comitês de Gestão da Agência com finalidade de cumprirem "metas tarifárias".  

Falaram também que os fatos foram do conhecimento da diretoria do Banco Bandeirantes, estando portanto ao alcance das penalidades previstas no art. 5º da Lei 7.492/86. Inclusive, a arrecadação de R$ 115 milhões se deu de 1.598.365 lançamentos em 194.443 contas, gerando uma média por cada conta de R$ 591,30 e uma média por lançamento de R$ 71,93 no período de agosto de 1994 a dezembro de 1996. Tudo isso sem que houvesse previsão legal ou contratual para os débitos.

Este relatório do Banco Central, elaborado pelo Supervisor de Fiscalização, responsável pelo envio das informações ao sr. Procurador da República Wellington Luís de Souza Bonfim em 21 de maio de 1999, explicitava toda a prática ilegal de apropriação então denunciada, a qual, pelo amplo conjunto de provas, não deixava margem a qualquer dúvida sobre o ato ilegal praticado pelo Banco Bandeirantes.

Para completar, nas conclusões da fiscalização operada pelo Banco Central foi dito em claro e bom português: o Banco Bandeirantes reconhece (com algumas exceções) como lançamentos indevidos, principalmente juros e diversos. Também foram identificados 80 contas que tiveram lançamentos com indícios de irregularidade. Chegou-se ao valor de R$ 115 milhões de ganho da instituição, pois trata-se de efeito cascata: lançamentos feitos indevidamente tornaram as contas devedoras. Esses juros são indevidos, pois a situação não existiria sem aqueles lançamentos. 

O que houve com estes ilícitos? Nada, absolutamente nada! Passaram-se os anos e quem ajuizou ações ganhou ou perdeu, mas não há nenhuma notícia de ter havido alguma condenação criminal. Talvez exatamente por isso mesmo não causou surpresa quando um amigo, promotor de Justiça aposentado, ligou e relatou o que vou apresentar para vocês esta semana.

Cliente de um grande banco, em 2011, ele teve problemas com um credor que acabou realizando o bloqueio de R$ 7 mil em sua conta-corrente. Passados os anos e resolvido o caso do bloqueio, o cliente resolveu utilizar novamente aquela conta e lá depositou valores. Imediatamente, reatado o relacionamento, o banco lhe ofereceu um cheque especial no montante de R$ 20 mil.

Qual não foi a surpresa do promotor de Justiça aposentado quando questionando alguns juros e tarifas pôde constatar que o banco, conforme constava em uma tela do sistema que imprudentemente a gerente lhe mostrou, utilizava os R$ 7 mil bloqueados como parte do cheque especial.

O banco usava o dinheiro do cliente para lhe "emprestar" e sobre seu próprio dinheiro lhe cobrava os "baixos" juros do cheque especial. Contudo o erro foi enorme, colossal, pois o velho promotor de Justiça aposentado não vai deixar tal situação passar "desapercebida".

Vamos ver se agora com uma condenação criminal não se repetem mais estes abusos. 

Sobre o Autor

João Antônio Motta é advogado (PUC/RS – OAB em 1982) especialista em obrigações e contratos, com ênfase em direito bancário, econômico e do consumidor. É autor do livro “Os Bancos no Banco dos Réus“ - Ed. América Jurídica, (Rio de Janeiro, 2001).

E-mail de contato: contato@jacmlaw.com

Sobre o Blog

Este blog traz informações independentes sobre bancos, segurança, cobrança, investimento e outros temas que ajudam no seu dia a dia com as instituições financeiras.

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